Ao iniciar a sua assessoria, no 8º dia do Curso de Verão 2019, Odja Barros, pastora batista em Maceió, assessora do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI) e coordenadora do Grupo de leitura popular e feminista da Bíblia Flor de Manacá, retomou a provocação com que havia encerrado a sua fala no dia anterior: “teve gente aí que até sonhou com a eira. O que será que rolou lá? Estamos bem no meio de nossa novela: o livro de Rute”.
Os dois cenários anteriores apresentaram o processo migratório vivido pela família das personagens envolvidas: o primeiro processo (ida para Moab) foi determinado pela fome, e Noemi não foi a protagonista, mas seu marido (patriarca), Elimelec; já o segundo foi determinado por uma tragédia familiar – a morte de seu marido e dos dois filhos – e Noemi foi a grande protagonista, que decide retornar para a sua terra (Belém), em vista de uma vida digna.
A eira (lugar em que se debulhava o trigo e a cevada) era um lugar de festa, de celebração e de resistência. Noemi conhecia como se comportavam os homens e as mulheres nessa festa. Ela percebeu que Booz não era um homem qualquer, mas que poderia proteger e resgatar a dignidade de sua nora Rute e de toda a família, concedendo-lhe um filho e um herdeiro para a propriedade de Elimelec. Enquanto conhecedora de sua cultura, Noemi acolhe sua nora estrangeira e indica o caminho para que possa ter um futuro e dignidade.
Na época em que foi escrito o livro de Rute, a mulher não tomava decisões, mas era propriedade. Uma viúva jovem, estrangeira e sem filho não tinha futuro dentro da sociedade judaica. Um filho, nesse contexto, torna-se o caminho de reconstrução da vida. Rute segue as orientações de sua sogra e, embora arriscando sua própria vida, consegue fazer com que Booz assuma a proteção das duas mulheres.
“A leitura que estamos fazendo do livro de Rute é sob a ótica das migrações. Lendo o texto a partir dessa lente, descobrimos coisas importantes para iluminar as diferentes situações dos migrantes em nossos dias”, reflete.
A Bíblia pode ser lida como um texto morto ou como um texto vivo. A leitura popular das Escrituras não aprisiona a Palavra de Deus no texto escrito. Antes, o texto torna-se palavra divina quando entra em diálogo com os seus leitores. “Só é Palavra de Deus quando o texto se encontra com a vida e com os corpos de hoje. Dependendo do grupo ou da comunidade, a Bíblia pode se tornar mais viva, mais vibrante”, enfatiza.
“Usamos várias ferramentas para entender e interpretar um texto (hermenêutica), para fazer uma interpretação mais respeitosa ao texto original. A Bíblia não é um livro fácil, aliás, é um livro perigoso. ‘É uma flor sem defesa’, como diz Carlos Mesters. Dependendo da forma como ela é interpretada ou utilizada, pode tornar-se pedra ou tornar-se se pão”, garante Odja.
Concluindo, a pastora assegura: “não podemos abrir mão deste lugar da leitura da Bíblia de uma forma séria e popular. Algumas pessoas estão usando a Bíblia, não estão nem interpretando, mas instrumentalizando a Bíblia para os seus objetivos. A Bíblia deve ser lida com uma hermenêutica de hospitalidade, de acolhimento, amorosa, e assim terá um lugar importante na nossa luta”.
Jorge / Comunicação / CV2019