Publicamos, a seguir, a íntegra da fala do artista Anderson Augusto Pereira, apresentando o painel do 37º Curso de Verão, na manhã do sábado, 6 de janeiro de 2024:
Contextualizando, para quem não sabe e está participando pela primeira vez do Curso de Verão, este Curso é um celeiro de arte-cultura da resistência, uma arte profética que vem de grandes artistas mulheres. Em primeiro lugar, a irmã Elda, depois temos a irmã Délia, que partiu recentemente. Então, é um grande lugar da gente ocupar a cultura.
Para mim, particularmente, foi uma experiência muito bonita. A nossa tenda faz memória do Domingos Sávio, que foi quem me inseriu na pintura dos painéis coletivos, que também são fruto das nossas relações e do conhecimento.
Neste ano, por uma série de circunstâncias, acabei pintando o painel numa tela menor – que vai ser exposta no hall de entrada do TUCA – e a gente reproduziu nessa outra grande tela apresentada no palco. Tentei colocar, rapidamente, alguns elementos provocativos dos conteúdos do Curso de Verão, que vem de todo esse contexto.
O painel reflete também o meu momento, que era um momento de ansiedade, da luta contra o tempo, uma vez que tive que produzi-lo com um espaço de tempo muito curto (no final da elaboração do livro do Curso). Pensem que até o dia 31 de dezembro eu estava pintando essa tela.
A pintura mostra, portanto, um pouco daquilo que temos refletido sobre o mundo do trabalho, onde somos consumidos pelo mercado e pelos poderes. Expressa a arte das ruas que a gente pinta, e pelas quais a gente passa, principalmente em São Paulo, onde a palavra pintada vai reverberando, e a gente vai ocupando a cidade: com arte, com a cultura da resistência.
Então a gente colocou um pouco da arte presente no cotidiano dentro desse processo de opressão, onde as falsas liberdades do mercado do trabalho vão sendo engolidas… A gente vê, contudo, a educação ressurgindo nos cursos, na Educação Popular, como lugar que abre os olhos e ajuda a gente a enxergar o mundo. Daí surge a questão da necessidade dos grupos, da Educação Popular, da educação libertadora, que abre os olhos.
De baixo para cima, na parte de baixo, vê-se a indignação. Eu me inspirei também no artista equatoriano chamado Oswaldo Guayasamín, que é um grande profeta das artes, trazendo o olhar da indignação, da não aceitação da situação de opressão. Na parte central vemos os rostos das crianças da Palestina, atacadas por esse genocídio. Elas estão ali no meio dos pés, meio esquecidas… Mas olhando pra gente com essa interpelação. Vemos esse movimento todo, da luta dos trabalhadores do campo e da cidade, alguns ainda joelhados, reverenciando o mercado ou ainda manipulados. Toda uma ideologia que nos oprime.
A organização, a mesa partilhada e as lutas vão surgindo a partir da conscientização desse processo, do nosso conhecimento, das nossas identidades, das nossas raízes…
E no meio disso tudo, uma grande mulher – foi falado do feminismo como o início de um processo de revolucionário na sociedade. A mulher, símbolo de luta e da resistência, tem um de seus pés pisando a boca do sistema que nos engole… Basta de mortes! Com uma mão no livro, no conhecimento, a mulher partilha a educação; e com a outra mão ela lança sementes alimentando as lutas, alimentando as várias bandeiras, com o olhar e com determinação.
Ela carrega no corpo toda a vida, a diversidade da vida, as flores, as plantas, lembrando a mãe terra que ressurge, que reage diante de tanta negação da vida, de tanta opressão e descaso. Assim, ela nos convida e nos anima, com toda a força da ancestralidade, para a luta que deve, mais do que nunca, ser alimentada e ser semeada no presente, para que as novas gerações consigam também estar presentes neste mundo de verdade e com dignidade.
Foto: Moisés Moraes
Equipe de Comunicação