“A pandemia é uma crise sanitária apresentada frequentemente na mídia como uma crise econômica, mas queria chamar a atenção que, em sua gênese, ela é uma crise socioambiental. É um colapso socioambiental”. Foi dessa forma que a professora Clara Carvalho de Lemos, mestre e doutora em Ciências da Engenharia Ambiental pela USP e professora adjunta no Departamento de Turismo da UERJ, estimulou as reflexões entre os cursistas no último sábado (09).
A assessora, por meio do tema “Por uma cidade sustentável: implicações de um modelo consumista”, contextualizou a atual crise sanitária sob a ótica do meio ambiente e defendeu a importância de se pensar em novos modelos de consumo e de cidade.
A transmissão do 3º dia do Curso de Verão 2021 teve início com fotos e vídeos de votos de boas vindas de voluntários aos cursistas de todas as regiões do Brasil e também de outros países e continentes. Também foram interpretadas músicas pela equipe de animação como “Menino e o Mar” de João Bá. Houve uma participação especial do voluntário João Maria, que interpretou a música “Chegança” de Antônio de Nóbrega.
A transmissão exibiu imagens de aterros pelo planeta e do descarte de resíduos. A narração do vídeo, em meio à gravação do processo de pintura do painel do Curso de Verão, estimulou os cursistas à reflexão: “A ecologia integral é um convite à unicidade do mundo. O ser humano e a natureza estão integralmente conectados. Está em nossas mãos a construção de um novo projeto de vida de cuidado com a Casa Comum. Plantemos, sem demora, as sementes do amanhã”.
Em seguida, no momento de assessoria, a professora Clara Carvalho de Lemos refletiu sobre como a pandemia está relacionada com a perda da biodiversidade. O crescimento dos aglomerados urbanos e de locais reservados à agropecuária cada vez têm invadido os remanescentes florestais. A crise sanitária ainda mantém relação com a evolução dos meios de transporte, que resulta na disseminação de doenças, e com o crescimento populacional.
Para Clara, é possível que a atual geração ainda vivencie outras pandemias globais da mesma proporção que a atual. “Chegamos ao ponto de colapso, algo precisa ser feito. Somos muitos e com muitas demandas”, apontou.
A professora citou a chamada teoria malthusiana, criada no século XIX, que defende que a disponibilidade de recursos no planeta não acompanha o crescimento populacional. Segundo ela, hoje, muitos especialistas defendem uma teoria “neomalthusiana” de que os governos não devem evitar a destruição no meio ambiente, assim como se prevenir em relação à disseminação de doenças. A ideia seria esperar pela diminuição da população global e o consequente equilíbrio do planeta.
Clara lembra, entretanto, que a destruição da natureza tem impacto maior nas populações mais pobres. Desse modo, o neomalthusianismo teria relação com o chamado “darwinismo social”, teoria de que apenas grupos superiores de indivíduos devem sobreviver ao longo de gerações e que deu base a ideologias como o nazismo.
“Parece bastante cruel falar disso, mas é uma questão atual, a maneira com muitas pessoas vem lidando com a crise atualmente. O fato é que a natureza tem uma capacidade de se regenerar. A grande questão é que isso tem um limite. Temos um padrão de consumo acima desse limite. Um estilo de vida que exige uma base material infinita” , refletiu.
Novos modelos
A professora defendeu que os benefícios e impactos do consumismo são distribuídos de forma desigual entre países e populações, assim como também há um mito de que a pandemia da Covid-19 seria “democrática” ao afetar todos do mesmo modo. “O uso dos recursos naturais é extremamente desigual. Está concentrado nas elites econômicas que produzem e consomem em um ritmo insustentável. Se for comparar como consome um cidadão europeu e um brasileiro que vive na periferia, é muito desigual”, declarou.
Além da necessidade de criar um novo modelo de consumo, Clara também estimulou discutir um novo modelo de cidade. Atualmente, segundo ela, as cidades se tornaram territórios voltados à mercantilização assim como os cidadãos, por sua vez, tiveram a sua existência atrelada ao consumo de produtos e serviços.
Para a professora, também não é possível discutir o assunto sem abordar a ideia de justiça social. “Temos que politizar o cidadão e deixarmos de ser um consumidor para sermos cidadãos. Devemos nos apropriarmos dos espaços públicos e coletivos, das associações, igrejas e conselhos”, defendeu.
Uma última questão abordada na assessoria foi a ideia do desenvolvimento sustentável, seguida atualmente por diversos governos e que se baseia no equilíbrio entre o crescimento econômico e a preservação do meio ambiente. “O conceito se tornou muito atrativo, pois não precisa abrir mão de se desenvolver. É muito eurocêntrico, colonizador e destrutivo. Precisamos rediscutir esses modelos que nos são apresentados como receita global. É uma fórmula claramente insustentável “, disse.
Clara Carvalho de Lemos ainda afirmou que, como acadêmica, deseja levar o conhecimento para espaços além das universidades e que tem aprendido com a ação popular em territórios relatada por participantes do mutirão. A professora também elogiou o fato de o Ceseep ter escolhido o formato online como alternativa para realizar o Curso de Verão no período de pandemia.
Convite
A coordenadora do Curso de Verão, Cecília Franco, agradeceu a todos que assistiram à 3ª assessoria. Ao todo, mais de 8 mil pessoas visualizaram a transmissão por meio do YouTube e do Facebook.
Também foi deixado o convite para os cursistas assistirem a vídeo que será publicado neste domingo nas redes sociais do curso. A ideia é estimular a espiritualidade no dia livre do curso no contexto. “Estamos vivendo um momento difícil e tivemos perdas enormes. A gente convida você a meditar, pensar na vida e acreditar que vamos passar por essa ventania e vamos estar firmes e juntos no próximo curso”.
Ao final da transmissão, o estudante de Letras Thay Lucas, que participou do curso em 2019, agradeceu ao Ceseep pelo Curso de Verão ter influenciado a sua formação política e pessoal. Ele interpretou no violão música de autoria própria sobre o impacto do consumismo no planeta.