“Como deixarmo-nos interrogar pela realidade social, política, ética e pedagógica que o Curso de Verão, do CESEEP, anuncia?”, com essa interpelação Miguel González Arroyo, professor titular emérito da Faculdade de Educação da UFMG e ex-secretário adjunto da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, instiga e desafia à reflexão os participantes do 36º Curso de Verão, em sua segunda noite de programação.
Miguel Arroyo propõem a si e aos participantes, reconhecer e fortalecer essas indagações, para juntos, pensar e construir outras respostas a partir do tema gerador: “Resistências por Vida Justa: Matrizes de Formação Humana”.
Segundo o professor, os diversos humanismos pedagógicos, políticos, hegemônicos construídos historicamente afirmaram-se “num paradigma de um humano único, abissal, sacrificial, que pré-define o NÓS, nos poderes políticos, econômicos, culturais, como a síntese do humano único, e decreta os OUTROS como síntese do inumano”.
Esses OUTROS, transformados em inumanos, são mantidos num permanente estado de injustiçados, de ameaçados, de criminalizados pela justiça justiceira, produzidos e reproduzidos ao longo da história pelas estruturas econômicas e sociais e pelo poder hegemônico.
“Esses injustiçados tiveram e têm raça, etnia, gênero e classe. São os adolescentes, jovens e adultos negros, indígenas, quilombolas, mulheres e homens pobres das periferias, dos territórios, dos campos, são os militantes em luta por terra, teto, trabalho, por vida justa”, afirma.
Uma OUTRA história teima em existir
O cientista social e pesquisador pontua que pensadores decoloniais, como Paulo Freire, Boaventura Souza Santos e Aníbal Quijano, “ajudam-nos a entender que a injustiça histórica persistente não é um destino dado, mas resulta de uma ordem injusta que é fruto da violência dos opressores”.
Arroyo explicou que Paulo Freire, no livro “Pedagogia dos Oprimidos”, reconhece que os injustiçados da história, os oprimidos, sempre denunciaram e resistiram às injustiças, afirmando-se como sujeitos sociais, agentes de outra justiça.
Segundo ele, Paulo Freire não se propõe a conscientizar, pela educação crítica, as vítimas das injustiças, mas reconhece os oprimidos como sujeitos de resistências políticas, éticas e pedagógicas por justiça. “Quem melhor que os oprimidos para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem melhor que eles sabem dos efeitos da opressão? Quem melhor do que eles, para irem compreendendo a necessidade da libertação?”
“Os oprimidos, por eles mesmos desconstruíram o paradigma de humanos inumanos, e construíram outro paradigma de resistências, de humanização. Sabem-se roubados em sua humanidade, sabem-se ameaçados pelas injustiças do Estado. Os oprimidos resistem, afirmam-se humanos e sujeitos de outras pedagogias”, ressaltou o professor.
“O mundo não vai melhorar sozinho”
Esta contundente afirmação de Miguel Arroyo provocou e instigou os participantes a mais uma reflexão: “que movimentos estamos fazendo? Uma pedagogia verdadeiramente humana denuncia, mas também combate. Na educação popular não tem faltado denúncias de nossas históricas estruturas injustas. O mundo não vai melhorar sozinho”. E o mestre insiste: “devemos aprender com as lutas populares, a construir uma outra história da educação, uma outra sociedade, com outra justiça dos OUTROS, da diferença, da diversidade, com indagações ético-político-pedagógicas radicais para uma formação verdadeiramente humana, que sejam reafirmativas de outras identidades positivas coletivas de etnia, raça, gênero e classe”.
Nessa empreitada pela construção de um mundo mais justo e humano, Arroyo ressaltou que “o ponto de partida está em compreender o contexto histórico, social e político em que vivemos”. E que é fundamental estarmos atentos, pois “a formação social, cultural, ética, identitária é muito diferente em cada tempo e precisamos aprender a ler e a respeitar os tempos humanos”.
Diante dessa perspectiva, Arroyo destacou as artes “como um campo fecundo para encorajar o resistir às injustiças, para denunciá-las, para reencontrar a relação entre educação e cultura popular, injustiças e lutas por uma sociedade justa”, pois a arte é um legado humano que ultrapassa o tempo e as fronteiras e universaliza as culturas. São potentes instrumentos de denúncias que cantam e contam a luta por libertação e transformação.
“As passagens, as coragens, são sementes espalhadas nesse chão”.
Sobre Miguel Arroyo
É doutor em Educação pela Stanford University e pós-doutor pela Universidade Complutense de Madri. Professor emérito da UFMG, veio para o Brasil perseguido pela ditadura de Franco, na Espanha. Miguel González Arroyo, cientista social e pesquisador, tem uma trajetória dedicada a pensar propostas educativas na perspectiva da educação popular, valorizando a realidade social, a cultura e as iniciativas dos movimentos populares na construção dos projetos políticos pedagógicos.
Nos anos 1990, foi o idealizador da Escola Plural e secretário adjunto da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte.
Renata Garcia
Equipe de Comunicação