O terceiro dia do Curso de Verão 2022, promovido pelo Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (CESEEP), contou com reflexões sobre o desafio dos indígenas em relação à garantia do direito à saúde pública. Os cursistas assistiram no último sábado (08) à assessoria de Maria Isabel de Oliveira da Silva, indígena do Povo Dessano de Manaus (AM), pedagoga e doutoranda em antropologia social.
Maria Angela Palma, da equipe de coordenação do Curso, iniciou a transmissão com um momento de mística. Pediu que os cursistas se sentassem, tirassem os calçados e sentissem os seus pés tocarem o chão. “Que os nossos pés possam se juntar aos pés dos povos originários nessa luta”, desejou.
Foi exibido um vídeo com relatos da busca de povos indígenas no Brasil pelo reconhecimento dos seus direitos e de suas terras. Em seguida, a professora Maria Isabel iniciou a assessoria com o tema “Povos originários e defesa dos territórios: Ancestralidade, Terra, Cultura e Saúde”.
Isabel estimulou a reflexão sobre o fato de os indígenas no país serem vulneráveis em relação ao acesso à saúde pública. “Quando nós povos originários entramos em um sistema de governo, ficamos tristes em ver vários acontecimentos nas aldeias”, abordou em relação a doenças como a Covid-19 resultarem no adoecimento de indígenas em aldeias.
Ela lembrou que a Constituição Federal garante o acesso de todos os brasileiros à saúde pública. Segundo ela, na prática, o direito acaba por não ser garantido aos indígenas. E o conhecimento tradicional dos povos originários costuma ser menosprezado. “É um dever do Estado. Não se cumpre. Quando a colonização chega nas nossas aldeias, a gente se sente invadido. Deixa de usar os nossos remédios para usar os da farmácia. A gente é enfraquecido muitas vezes”, alerta.
Nesse contexto, o risco de adoecimento costuma ser alto e muitas vezes a medicina tradicional dos indígenas não dá conta de doenças desconhecidas trazidas pelo homem branco. “Com o desmatamento, a mata está tão aberta que a doença pode chegar de várias maneiras. O agente de saúde está longe, até chegar, às vezes não dá tempo (dos doentes sobreviverem)”, relata.
A assessora pediu apoio aos povos originários e disse que é importante que haja união entre eles e seus aliados. “Cada vez mais o progresso avançando, como dizem os colonizadores, traz consequências negativas. Por conta dessa fragilidade, a gente vai percebendo que a nossa ancestralidade precisa se fortalecer mais, os conhecimentos tradicionais. Vamos unir forças”, disse.
Disputa política
Maria Isabel fez críticas ao governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). Afirmou que o Poder Executivo do país se posiciona contra os indígenas. “Esse governo diz que estamos atrapalhando o progresso do Brasil. Não nos juntamos para lutar (nas eleições presidenciais de 2018), fomos divididos. Estamos encarando essa luta, precisamos das nossas terras”, declarou em relação ao direto de áreas demarcadas pelo país para os povos originários.
Ela criticou o chamado Marco Temporal, ação que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) e que pode fazer com que os indígenas percam o direito sobre terras em que não estivessem vivendo no ano de 1988, quando foi promulgada a Constituição. “É algo que encaramos com muito medo, não vem para ajudar e apoiar os nossos direitos. Queremos um marco que lute conosco”, pediu.
Isabel ainda fez a reflexão sobre a filosofia e a cultura indígena. Disse que os povos originários buscam estar em comunhão com a natureza. “A ancestralidade consegue dialogar com outros povos e outras pessoas que estão ao nosso redor. Trazemos a energia de vários seres. Quando a gente vai olhar para essa beleza da natureza, trazemos essas energias positivas”, compartilhou.
Para a pedagoga, essa comunhão passa pela relação com o solo. “É da terra que viemos. Por isso nos conectamos. Quando nós indígenas vamos plantar uma roça, não fazemos em qualquer lugar, precisamos procurar uma terra boa. Como procuramos? É o conhecimento passado de pai para filho. Você vai até o mato e cava, faz todo o conhecimento. Essa terra é que vai alimentar a sua família”, lembra.
Após a assessoria, os cursistas ainda assistiram um vídeo de memória sobre o Curso de Verão de 1996. A edição daquele ano teve como tema “Trabalho: crise e alternativas”.
O Curso de Verão
Já a edição de 2022 do Curso, a 35ª da sua história, tem como tema “Reconstruir a vida e a sociedade com saúde para todas as pessoas”. Por conta da pandemia, o Curso tem sido realizado de maneira online pela segunda vez. É dividido entre palestras à noite, das 19h30 às 21h30, e rodas de conversa pela manhã, das 9h às 11h.
O CV 2022 começou na última quinta-feira (06) e termina no dia 15 de janeiro. A próxima assessoria será nesta segunda-feira (10), com o escritor e psiquiatra Adalberto Barreto. O tema será “Políticas de saúde para fortalecer o SUS: experiências de saúde alternativa e comunitária”.
Arthur Gandini
Equipe de Comunicação