Leia, abaixo, a íntegra da fala do Padre Benedito Ferraro, presidente do CESEEP, na abertura do 32º Curso de Verão, na tarde do dia 09 de janeiro, no Teatro da Universidade Católica (TUCA), São Paulo.
Os fluxos migratórios continuam. A história das migrações está intimamente relacionada com a história dos pobres. Saem em busca de vida melhor e direitos. Neste 32º Curso de Verão, busca-se uma maior compreensão das migrações dentro de um contexto mundial de retirada dos direitos através da flexibilização das leis trabalhistas pelas reformas trabalhistas, lei da terceirização, reforma da previdência. Tudo isso fruto de uma economia globalizada que se descentraliza para expandir a produção (centrífuga) e, ao mesmo tempo, centraliza-se na busca de um maior controle sobre a direção (centrípeta). Dentro deste mesmo contexto mundial, encontramos leis de imigração cada vez mais rígidas e seletivas, com a consequente criminalização dos migrantes, vistos como inimigos (Alfredo Gonçalvez, p. 29)!
No Brasil, houve um pequeno avanço em relação ao Estatuto do Estrangeiro (lei 6.815/80) aprovado em pleno regime militar, com a lei de Migração (lei 13.445/2017), trazendo um olhar diferenciado aos direitos humanos dos migrantes e um novo ordenamento jurídico, embora com restrições práticas e de acesso ao seu conteúdo avançado e promissor (Rosita Milesi, p.66). Infelizmente, o atual presidente confirmou a saída do Brasil do Pacto Mundial para a Migração da ONU, o que acarreta maiores dificuldades aos migrantes.
A vida nas cidades está dirigida pelos interesses de classe, restando aos pobres viver nas periferias sem condições básicas para uma vida digna. No caso da cidade de São Paulo, conforme Américo Sampaio (pp. 82-93), encontramos duas grandes travas para o desenvolvimento de uma cidade democrática e acolhedora:
a) O modelo de funcionamento Tributário que apresenta uma tendência de crescimento em impostos sobre o consumo, na não eleva a tributação sobre o patrimônio, aumentando deste modo as desigualdades e alimentando cada vez mais a concentração de renda(p. 85 ).
b) Sistema político e administrativo da cidade de São Paulo que aprofunda as desigualdades na cidade. Para superar estas travas, o autor propõe outro projeto de cidade (p. 95), pois o atual modelo é fruto de um projeto político que se pauta pela desigualdade. Ou nas palavras do autor. “Não houve falta de planejamento em São Paulo, a cidade foi planejada para ser assim, desigual” (p.95).
Frente aos 244 milhões de migrantes no mundo, afirma-se que a concentração de riqueza força a migração de milhões. Esta realidade está presente no texto bíblico relacionado com a história do Povo de Deus que na falta de pão, sai em busca de nova perspectiva de vida e de novos direitos.
O Papa Francisco critica a globalização da economia que determina livre circulação das mercadorias, mas impede a circulação das pessoas. Indica também que o medo do migrante leva ao processo que vai da estranheza à desconfiança e da desconfiança à insensibilidade e da insensibilidade à Globalização da indiferença (p. 141). A proposta de Francisco se articula nos quatro verbos: Acolher, Defender, Promover, Integrar.
Do ponto de vista pastoral, afirma-se que migrar é um direito (p. 164), inclusive alicerçado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): “Todo homem tem o direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. Todo homem tem direito a sair de qualquer país, inclusive do próprio, e a ele regressar” (Artigo XIII).
Insiste-se muito no trabalho da memória e no reconhecimento da “legitimidade das cosmovisões dos migrantes” (pp. 176-177). Também é de fundamental importância o diálogo inter-religioso e o diálogo ecumênico (p. 179), levando-se em conta que o fenômeno da migração está atravessada por aspectos de gênero, cultura e condição social (p. 180).
O CIMI (Conselho lndigenista Missionário) luta contra o desmonte dos direitos dos Povos Indígenas (p. 189). Afirma que a invisibilidade Povos Indígenas é fruto de interesses políticos (p. 182). Insiste no valor do território para os povos indígenas e aponta o BEM VIVER como projeto de sociedade (p. 184). O CAMI (Centro de Apoio e Pastoral do Migrante) luta contra o trabalho escravo e o tráfico de pessoas (p. 193). A Pastoral Carcerária, voltada às mulheres encarceradas, indica que 62% das presas estão relacionadas com o tráfico de drogas.
Nos diferentes depoimentos, vamos encontrar uma série de questões que se aproximam: o Direito de migrar como direito humano e também dificuldades comuns: questão da língua, da documentação, do trabalho e da difícil integração.
O 32º Curso de Verão é um alerta para a nossa ação pastoral e ação política para assumirmos o pedido do Papa Francisco em relação aos migrantes com seus quatro verbos: acolher, defender, promover e integrar. Esta orientação está relacionada com a afirmação do Concílio Vaticano II ao afirmar que: “Todos os povos, com efeito, constituem uma só comunidade” (Nostra Aetate, 1). Com a consciência de que somos todos participantes da mesma comunidade humana e que vivemos num mesmo planeta, somos convidados e convidadas a trabalhar na defesa dos direitos humanos e, sobretudo, na defesa dos direitos dos pobres.
Benedito Ferraro – São Paulo, 09 de janeiro de 2019.